quinta-feira, 17 de junho de 2010

Preocupação pelo avanço do mar





Entrevista com o Prof. Dr. Jarbas Bonetti, Coordenador do Lab..oratório de Oceanografia
Costeira do Departamento de Geociências da Universidade Federal de Santa Catarina




Os moradores da Ilha de Santa Catarina observam com preocupação o avanço do mar sobre diversas construções, particularmente nas praias da Armação e da Barra da Lagoa. Mas o que está causando esse fenômeno e por que esses locais são os mais afetados?
Primeiramente, é preciso considerar que as praias são "sistemas dinâmicos".
"Sistemas" porque compreendem não apenas a faixa de areia onde se toma banho de sol, mas também a duna frontal e a porção submersa que fica entre a zona de arrebentação das ondas e a linha d’água. Ao longo dos setores desse sistema, as areias se movimentam continuamente, acumulando-se na porção submersa após eventos de tempestade e retornando ao setor emerso durante períodos de tempo bom. Assim, quando se obstrui o trânsito das areias, por exemplo, pela construção de um molhe na porção submersa ou de uma casa em área originalmente ocupada por duna, é possível que se rompa o equilíbrio da praia e passe a ocorrer erosão em alguns pontos e acúmulo de areia em outros.
O senhor pode explicar o que está acontecendo na praia do Moçambique?
Em condições naturais, como na praia de Moçambique, em episódios de tempestade, o mar avança sobre as dunas, retira material dali e o deposita no setor submerso da praia. Se a partir de então predominarem ondas "de tempo bom", essas areias irão retornar e a duna voltará a engordar. Por outro lado, se o trecho de duna estiver ocupado por uma construção, essas areias não estarão mais disponíveis e as ondas atingirão diretamente as casas e os restaurantes ali localizados. Diz-se que há um déficit de sedimento.
Então podemos dizer que as praias são "dinâmicas"?
As praias também são "dinâmicas" porque se modificam constante e naturalmente, sem haver,necessariamente , a intervenção humana. Essa "instabilidade" ocorre porque elas são compostas por material solto (a areia) que pode ser transportado, com facilidade, de um local para outro, pelas correntes geradas pelas ondas e pelas marés. Além disso, são feições de vida curta se considerarmos o tempo geológico. Sabe-se, por exemplo, que há 120.000 anos o nível do mar estava cerca de 120 metros abaixo do atual e que há apenas 5.100 anos ele estava quatro metros acima da posição que ocupa hoje.
Que função cumprem as tempestades neste processo?
Em nosso litoral, o principal agente da erosão instantânea das praias são as tempestades formadas sobre os oceanos. Sua previsão é difícil e o número de eventos que acontecem por ano é variável. Durante o outono e inverno, há uma intensificação na formação dos chamados ciclones extratropicais, sendo comum a incidência de ondas grandes nesses períodos. O que aconteceu nestas últimas semanas foi a ocorrência de uma importante sequência de tempestades, o que impediu a retomada do perfil habitual da praia (o retorno da areia) após a primeira grande "ressaca" ocorrida no início de abril. Assim, as porções emersas das praias atingidas estão com pouco sedimento e seus níveis rebaixados, facilitando ainda mais a ação das ondas sobre os alicerces e estruturas rígidas de contenção.
Quais são os setores mais atingidos?
É importante frisar que não são todos os trechos de praia da Ilha de Santa Catarina que estão sofrendo com essa erosão. Os setores mais atingidos são os que se encontram voltados para leste, que foi a principal direção de incidência das ondas recentes. Desta forma, nem todos os trechos das praias da Armação e Barra da Lagoa estão sentindo os efeitos das tempestades. Em diferentes episódios, há anos atrás, ondas de nordeste castigaram trechos localizados mais ao sul dos locais atualmente sob risco, promovendo a queda de postes e destruição de muros. Ainda em outros momentos, praias como a Daniela, que se manteve inalterada nas últimas semanas, foram duramente castigadas.
Mas o que fazer?
Infelizmente não muito, de imediato. Preventivamente, deve-se evitar a instalação de estruturas físicas próximas à linha de costa. Mesmo que haja uma aparente estabilidade no local, eventos extremos e mudanças climáticas podem modificar os regimes de ondas e de formação de tempestades, promovendo o avanço do mar em várias dezenas de metros, sobretudo se a duna for ocupada e sua vegetação suprimida.
Adianta colocar sacos de areia e rochas frente às construções?
Emergencialmente, compreende-se a tentativa de contenção pela colocação de sacos de areia e rochas na frente das construções, mas essas medidas são paliativas e pouco eficientes no médio prazo. O posto salva-vidas da Barra da Lagoa, que sofreu um grande reforço estrutural um ano antes de tombar, é um bom exemplo de que isto não funciona. Aliás, embora ofereçam alguma proteção temporária, pedras e muros tendem a promover a diminuição da faixa de areia na sua frente, pois as ondas que incidem sobre eles retornam com mais força, levando consigo os sedimentos para a porção submersa da praia.
Como se pode combater a erosão?
Uma medida que tem apresentado eficiência razoável em várias partes do mundo, incluindo algumas praias do Brasil, é a alimentação ou o engordamento da faixa de areia. Para tal, areias são dragadas do fundo marinho e distribuídas sobre a área que está sofrendo erosão. Poderia ser uma solução para setores com erosão crônica, como a praia da Armação, mas é uma tarefa custosa e que requer estudos detalhados para que dê bons resultados. Principalmente, é necessário constante monitoramento e manutenção periódica, com a colocação de mais areia de tempos em tempos.
Portanto, o combate à erosão é uma medida que deve ser tomada administrativamente pelo poder público e com a perspectiva de continuidade e garantia de aporte regular de dinheiro para a sua condução. Ou isso ou as cenas que vimos recentemente continuarão a se repetir na próxima temporada de tempestades, ainda que em outros locais.

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